As manhãs eram piores que as tardes. Sentia a
tua falta, sobretudo, misturada com um nojo de mim mesmo, um vazio que me
provocava. Sentia-me um nada, um espetro projetado numa tela branca de cinema.
Só, completamente só. E a luz que me formava esvanecia-se sobre o ar que
distanciava o foco e a tela.
As manhãs
tremiam incansavelmente, enchiam-se de água dos meus olhos. Sentia o seu sabor
e a sua alcalinidade na minha boca e a paisagem mantinha-se igual,
semelhantemente igual. Enchia-me também de oximoros entre a vontade de te ter e
o desejo de não te querer. Dividia-me, fragmentava-me entre margens excêntricas
do meu lado impulsivo e as linhas retas da minha razão. Desejava não te desejar
tanto.
A maior
parte das vezes ganhava a memória, a recordação do que foi apetecível.
Pintava-te, moldava-te segundo uma atração fenomenal, uma dádiva divina. Alimentava-se
de mim como uma bactéria mortal, consumia-me como fogo fátuo.
Passava
assim a manhã. Louco, alucinado, divido, fragmentado. Perdido.
À tarde
melhorava significativamente. A atração que te formava era substituída por
pensamentos conscientes, isto quando não me tomava a ansiedade de te ver
novamente, de, pelo menos, ouvir a tua voz. Residia agora em mim a patética
esperança, a racionalidade despromovida de justificações. Perdia-me em
conjeturas falsas, palavras sem noção do seu significado e deixava-me solto,
incrivelmente livre de qualquer lei física que nos quisesse juntos. Não te
querer, provavelmente, doía mais do que não te ter.
Começava então uma súbita atrofia no meu
corpo, moviam-me os músculos, especialmente o cardíaco. Entrava em mim, como
por osmose, aquela vontade ensurdecedora que eu já conhecia. Tomava conta de
mim, por completo, de cada célula, de cada biomolécula em mim integrada. Sentia
desagregares de mim como por erosão do tempo ou da distância que nos separava.
Mas voltavas a unir-te, por pontes de hidrogénio universais, cada vez que
voltávamos a estar juntos.
Redundância. E já era de noite. A noite sim
matava-me por completo, tal como um veneno mortífero, uma doença silenciosa.
Não sei porquê, mas perdia a razão e ligava completamente o interruptor do meu
instinto animal. Nem pensava, só te queria, como na maior parte do dia. Mas ali
mostrava. Ali sentia-me obrigado como se qualquer parte do meu corpo fosse
comandada pela natura.
Deixava-me levar e ser preenchido pelos grãos
de areia da praia deserta. O luar focava o movimento lento e descendente do meu
corpo. Profundo, ligeiramente profundo. Respirava ao ritmo das ondas. Evadia-me
no espaço, mas continuava a ser noite. Continuava a haver luar, continuava a desejar-te
com toda a minha alma, se é que ela existe. Sempre fui alguém material,
concreto, racional. Contigo não. Contigo tudo era simples, fazias-me acredita
na metafísica, no transcendente ao objetivo.
Fizeste-me acreditar no espaço divergente, na
realidade alternativa. No infinito.
Sabia a sal na minha boca, mas não era do
cloreto de sódio do mar. Sentia a cara molhada, mas não era do óxido de
hidrogénio do oceano. Juntavam-se a ele as gotas que lacrimejava e eu
continuava inerte, impuro. Lembro-me vagamente de um dor intensa nas pernas e
nos ombros que se suavizava-me com a explosão de sentimentos que guardava.
Olhei para o céu: vazio como eu, confuso como eu.
Não vieste e não me surpreendo. Afinal não
somos assim tão diferentes. Mas já passou. Ou vai passar.
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