Não abri os olhos.
Preferi manter-me na escuridão naquele instante. De outra maneira, se os
abrisse, veria o mesmo: o nada. Senti mudanças térmicas na minha cara, tão
rápidas. Além disso, senti um peso nos meus pulsos e a dor espalhava-se agora
pelos restantes músculos de cada um dos meus braços. A rigidez tomou conta de
cada um deles, fazendo uma dor suportável por alguns momentos. O pior não era a
dor física. Era o peso que sentia em cima de mim, o mundo a desfazer-se em
pedaços simples como grãos de açúcar ou em fragmentos maiores como blocos de
gelo. Perdia o balanço por momentos, mas continuava seguro pelo que me prendia.
Cordas? Correntes? Não sabia, mas seguravam-me ao solo argiloso por baixo de
mim.
Eu pendia, ainda com
os olhos fechados, livremente. Seguro, mas parecia tão difícil contrariar a
força da corrente, tão difícil que doía o peito. Apoderava-se de mim, por minha
vontade ou não, mas controlava-me, fazia querer desistir de lutar contra as
forças que me prendiam. Lentamente, sentia-me a perder o equilíbrio gerado e
tinha uma enorme vontade de me soltar. Soltar e correr. Não sabia se ia a
tempo, se era demasiado velho para ser tão impulsivo. No entanto, não valia a
pena querer fugir, uma vez que não me conseguia libertar. E estava agora numa
dilema entre a razão e a emoção, se ir no primeiro comboio ou ficar até o
último, até à estação ficar vazia, sem gente. Deserta como o ambiente onde me
encontrava. Já tinha aberto os olhos entretanto. Eram cordas que me amarravam.
Velhas, mas fortes.
O vento era forte e
fazia colar a minha camisola ao peito. Era quente, insípido, seco e fazia os
meus cabelos vibrarem com a sua passagem. Eu não me mexia, sentia os pés
dormentes. Não sei quanto tempo estava ali de pé, em frente ao vazio, ao nada.
Sentia-me cansado e farto de ver a paisagem coloquial que se apresentava. O
vazio, o morto, a vida sugada pelo vento. E eu era o próximo a perdê-la. Fiz
força, mas as cordas não rasgavam, muito menos se soltavam. Fraquejei as
pernas, deixando o meu peso entregue aos nós das cordas e a dor voltava. Soltei
um gemido de dor e vi o sangue escuro a escorrer até ao solo. Deslizava na
argila, arrastando algumas partículas em suspensão com ele. Quis gritar, mas
gritaria para o vazio. Fiz um esforço para recordar como teria chegado àquela
situação, mas doía-me a cabeça, não sei se por cansaço, pela perda de sangue ou
por outro motivo aparente.
Foquei o horizonte e
entrei em transe. Senti o vazio entrar dentro de mim como uma possessão. Perdi
a lucidez. Perdi tudo. Apenas sobrava eu, no meu espaço, e uma hiperventilação
constante e forte que me irritava profundamente. Pesava-me a cabeça, pesavam-me
os ombros. O peso era pior que a dor. A impotência era mais irritante que a
hiperventilação. Perder o controlo era algo que nunca me havia acontecido,
deixar escapar os fios que me seguravam. E agora estava seguro por cordas que
nem eu imaginava a origem. Duvidei de mim. Senti-me fraco e com razão. Era
fraco face àquele peso bruto que me tomava e por muito mais que me esforçasse,
era inútil. Doía mais, fraquejava mais. Arrastei os pés no mármore gelado e
negro que estava debaixo do espaço criado na minha mente. O transe levara-me
para um local diferente, limpo, fresco, mas vazio. Percebi onde estava no
momento em que te vi apenas coberta com um dos lençóis da nossa cama. Os teus
pés estavam descalços, certamente sentirias o frio que eu também sentia. E foi
como se tudo que tínhamos voltasse num sopro que penetrava as minhas estranhas.
Forte, suficientemente forte para me assombrar naquele momento. Estava
novamente desequilibrado e voltei à realidade. O sangue dos meus pulsos
manchava a corda.
Percebi onde estava e
fiquei mais aterrorizado. E estavas lá, tal como calculei. Tão perto e tão distante,
tão perto e tão absurdamente indisponível. Olhei. Cansado, ensanguentado,
miserável. Estava completamente entregue nas tuas mãos naquele momento. Mas só
naquele momento? Podias simplesmente cortar as cordas, deixar-me viajar pelo
infinito do horizonte. No entanto, fazias questão de me por face ao abismo,
impotente, inapto. Por vezes, davas um passo comandado pelo teu instinto.
Recuavas, orgulhosa e saciada do teu racionalismo. Eu continuava a pender entre
estes teus dois estados: salvares-me ou não.
(continuará)
(continuará)
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