Peter acordou contemplando o corpo de Ahalya. Recordou-se de como era antes de a conhecer. Acreditava que o amor era aceitar totalmente o outro, tal qual ele é, mas até mesmo ele havia mudado após a conhecer. Assim, concluíra recentemente que tudo em que acreditava não era válido. Então, o que era o amor? Peter a isso não sabia responder teoricamente, mas sabia que era o que sentia pela dona daquele corpo de arquétipo da perfeição
Nos dias que se passaram, Ahalya mostrou a Peter as zonas da Índia, as tradições e também alguns dos meus amigos. Peter estava completamente feliz. Joseph já não o incomodava e até nem se importava de trazer Monique para conhecer os místicos locais que o haviam seduzido. Estava completamente apaixonado e dizia-se destinado à indiana. Isto era totalmente recíproco.
As águas paradas do rio Yumana obrigavam os calcários das construções a ceder às cores quentes e sonoramente acompanhavam o fluir dos beijos de Ahalya e Peter. Nesses momentos, tudo se tornava estático e o dinamismo da cidade aquietava. Já não se ouvia o trânsito, as canções tradicionais, nem mesmo brilhava o cheiro a incenso no ar. Era criado um apogeu de magnificência fulcral que Peter nunca havia sentido.
- Tenho de te levar a um sítio.
Ahalya controlava aquele corpo rendido às tentações orientais. A primeira sensação que sentiu foi o som deambulante do sitar, coordenado com as batidas frias dos pés descalços e do choque as poeiras argilosas com o ar. Depois aquele cheiro característico a terra molhada e a goma de árvore. Um grupo de indianos, provavelmente amigos de Ahalya, cantava e dançava por entre aquelas partículas olfativas. E aquele momento marcou intensamente Peter. Sentiu definitivamente que aquele era o seu lugar, que não havia nada na vida que quisesse mais do que aquilo. Ali, sentia-se completo. Cada parte do seu corpo decidira habituar-se à música, dançando. Em breves instantes, via-se no meio de todos, a reproduzir cada passo que lhe ensinavam. Deste modo, Peter foi integrado no grupo de amigos de Ahalya que a bom som sorria para ele.
O tempo encurtava e, na teoria, aquele não era o local de Peter. Estava na hora de regressar a casa. Decidiu, por fim, contar a Alicia acerca da sua relação com Ahalya e em como se havia identificado com aquele país.
Alicia não resistiu a dar uma pujante gargalhada, achando aquilo uma brincadeira ou até um sarcasmo do filho. Atendendo à incompreensão da mãe, Peter desceu as longas escadas do hotel e parou à porta do quarto número 89. Com receio, bateu três vezes. Joseph veio à porta, ainda enrolado numa toalha de banho. Atrás podia-se ver a cama desarrumada e ainda uns sapatos que por certo pertenciam a Alicia.
Joseph gaguejou ao vê-lo, mas logo foi tranquilizado. Peter não estava ali para o confrontar, mas sim para lhe pedir ajuda. Iniciou por contar-lhe o episódio do jantar onde tinha contemplado a formosura excecional de Ahalya, no mesmo jantar onde chamou porco a Joseph. Ele riu-se com a ironia da situação, passando a mão no cabelo de Peter. Peter progrediu na história, enfatizando o seu amor por Ahalya, fosse isso através das delicadas palavras que escolhia para assumir o seu amor por ela ou para descrever a sua beleza excêntrica. Por fim, desculpou-se a Joseph pelas suas atitudes, admitindo que o considerava um homem justo que merecia o seu respeito.
Joseph voltou a sorrir.
- Ainda me achas um porco?
- Não, de todo.
- Eu falo com a tua mãe, não te preocupes.
Pela manhã, Alicia acordara o seu filho com um longo beijo na testa, anunciando que decidira ficar mais uma semana em Nova Deli se isto significasse que Joseph podia passar a viver com eles. Peter concordou, adicionando que ele era um ‘’porreiro’’.
Saiu de casa, apressado, ainda com os cordões das suas Vans por apertar. As ruas movimentadas da capital indiana enchiam-se de pessoas àquela hora calorenta da manhã. Ouviu alguém cantarolar o Vande Mataram, o hino nacional, enquanto subia a rua que dava ao jardim da ponte de Athpula. Era aí que a encontraria. Quando a viu, beijou-a ardentemente, balbuciando que tinham mais uma semana.
Ahalya olhou dentro dos olhos de Peter. E com o seu sinal característico pediu que a seguisse. Ahalya ganhava uma velocidade extraordinária como se tivesse uma ótima aerodinâmica. Chegaram a uma casa onde parou, encolheu os ombros e sorriu-lhe com o sorriso mais puro do mundo. Peter não resistiu e tentou beijá-la, mas foi afastado por ela. Subitamente, a sua cara fez uma expressão provocadora enquanto as suas mãos abriram a porta. Lentamente, sem que saísse algum som da sua boca, gesticulou com os lábios ‘’Continua a seguir-me’’.
Peter continuou a obedecer, irrompendo por aquela casa de tom hostil e severo. Ahalya parou e deu as mãos a Peter que sentiu imediatamente as suas energias a fluir pelo seu corpo. Ahalya aproximou-se, pé ante pé, arrastando-se e ao chegar ao corpo de Peter percorreu-o com o seu tato. Interrompeu o movimento das suas mãos no cabelo de Peter, agarrando-o e imediatamente saltou para o seu colo, beijando-o ofegantemente. Ahalya começou a suspirar perto do seu ouvido e ambos deixaram-se cair na cama. Ela arrancava-lhe a camisola, enquanto ele surpreso passava as suas mãos pelas costas chegando ao coxis. Pensou que não precisava de nenhum harém para sentir o que estava a sentir.
De rompante, ouviram-se berros. Peter saíram imediatamente de cima de Ahalya, vestira-se e encontrara uma senhora, que admitiu ser a mãe de Ahalya, de joelhos no corredor pedia misericórdia para a filha. As duas começaram a discutir em Hindi. As lágrimas escorriam o resto de Ahalya e Peter estático, sem reação, não compreendia em que podia ser útil. Ahalya pede a Peter que fuga rapidamente.
O sol se pusera duas vezes e não havia sinal de Ahalya. O rio Yumuna ganhara uma força incrível nos tempos mais recentes. Os calcários desfaleciam, atempadamente, bem como a argila se espalhava no ar. De súbito, eis que surgiu um rapaz indiano perto de Peter.
- O meu nome é Kalimohan e sou irmão da Ahalya.- disse num inglês imperfeito, diferente do da sua irmã. – Tenho uma mensagem para ti. Ahalya está presa em casa, mas haverá uma cerimónia amanhã perto de Qutub Minar em que ela tem de participar. O plano é se encontrarem antes da cerimónia.
Peter estava desorientado e precisava agora mais do que nunca da ajuda de Joseph.
- Eu vou-vos ajudar. Pede-lhe para fugir, para vir connosco. Só assim vão conseguir ser felizes. Tu não pertences a este mundo, Peter. Eles têm as regras deles, com as quais até te podes identificar, mas isto não é uma questão de vocação, infelizmente. Tem a ver com sangue e tu não és do sangue deles. Fujam Peter, eu encubro tudo.
No dia seguinte, Peter contou o seu plano a Ahalya. Ela inferiu-lhe que os pais estavam dispostos a mandá-la para Goa onde se casaria com o filho de um Marajá. Portanto, no dia em que iria para Goa, Ahalya trocaria de comboio, enquanto Joseph distrairia o seu pai.
O dia decisivo chegara. O corpo de Peter enchia-se de tremores que se reproduziam quase por mitose. Inspirou fundo, por uma última vez, o ar de Nova Deli e com ele as recordações dos seus momentos lá. Saudou o Sol, como Ahalya havia ensinado, para ter sorte.
A estação enchia-se de gente e de fumo impetuoso no a e os raios solares dificilmente penetravam a cobertura vítrea. Lá estava ela, linda como sempre. Peter entrou no comboio para o aeroporto, como estava combinado, com Alicia e a sua irmã. Numa fração de segundos, Ahalya e o seu pai entrava no que tinha destino a Goa. Joseph apressadamente segui os seus pais e pediu ajuda no mapa. Joseph deu um sinal a Ahalya que desatou a correr pela coxia do comboio. O pai, reparando nisto, dá um murro a Joseph, que cai redondo no chão, e começa a seguir Ahalya. Brutamente agarra a filha, enquanto alguns indianos tentam ajudar Joseph fora do comboio. Ahalya esforça-se para sair, percebendo que o comboio iniciará a sua marcha. O esforço é em vão pois encontra-se totalmente imobilizada.
Tentando ajudar, Peter dirige-se ao comboio de Ahalya cujos olhos estão inundados de lágrimas. Com dificuldade, Ahalya consegue gesticular um ‘’Eu vou amar-te sempre’’ com os lábios. O comboio começa a andar e Peter passasse a sentir inútil.
Sem nada a fazer, Alicia socorre Joseph e o seu filho que está completamente desbastado, transportando-os para o seu comboio. E o movimento começa a dar-se, enquanto Peter deixa para trás Nova Deli, a poeira argilosa, os calcários meteorizados, o cheiro a terra molhada e a incenso, o rio Yumana, o som do sitar, a mulher que amava e o sítio onde realmente pertencia.

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