O meu nome é Scott e sou mais uma das pessoas que tenta soltar as suas palavras ao sabor do vento, não para esquecer, mas porque, de certo modo, penso que perpétuo o efémero.
Lembro-me de nessa noite estar frio e a cidade estar sombria. O subtil brilho do crepúsculo fazia com que o céu tomasse cores mais frias do que as habituais. Sobre as restantes penumbras solares, era possível observar nuvens preparadas para tornar a noite chuvosa. Concluindo, estava uma noite perfeita para não sair de casa. Mas era inútil desejar isso.
Damian chegara mais cedo do que o combinado. Estava efetivamente entusiasmado com aquela festa, ao contrário de mim. Não tinha a mínima vontade de ir dançar, meio constrangido, sobre os olhos incriminadores e ansiosos por uma falha. E, na tentativa de ficar em casa, tentei atrasar-me o mais possível. Inútil face à persistência de Damian. Literalmente obrigado, arranjei o cabelo, desci as escadas e lá fui com ele.
A discoteca estava cheia de luzes perto da escala do ultravioleta. Compostos de néon enchiam também o interior escuro do salão. A amplitude da música deveria estar no máximo dos decibéis e a batida era fortemente marcada, inclusivamente por meios não sólidos. Tudo parecia vibrar ao som daquele ambiente, cheio de fumo, é sorte, mas com o quê de alegria. Alegre eu não estava de todo. Como já referi, não gosto deste tipo de diversão e ficava um pouco acanhado e isolado da pista de dança. Sentei-me perto do bar, admirando Damian na sua tentativa de engatar uma ou duas raparigas e acabar sabe-se lá onde… A noite foi passando e admito não estar a desgostar no geral. Até que surgiu, por entre as luzes não constantes e o fumo ensurdecedor, uma rapariga. O meu corpo desligou-se automaticamente do seu lado racional e perdi totalmente o controlo. Guiado pela emotividade ou, então, pela própria natureza animal, juntei-me a Damian na pista. O meu amigo, claramente, reparou que eu estava suspeito. Deve ter pensado, por momentos, que me tinha drogado e agarrou-me pelos braços. Instantaneamente, dei-lhe sinal para a tal rapariga. Damian sorriu e, espontaneamente, deslizou pela pista de dança e foi falar com ela. Ela limitou-se a sorrir e a dizer que sim. Odiei-o até ele regressar. Num tom muito sério disse ‘’Está disponível e à tua espera’’. Paralisei imediatamente após ter percebido que ela olhava fixamente para mim. Sem outra possibilidade, fui ter com ela.
- Emily. – gritou- O meu nome é Emily. E o teu?
- Scott.
Emily envolveu-me na dança e acabou por me abraçar, na tentativa de fazer-se ouvir melhor. Contudo, percebi que algo não estava bem. Emily estava a suar bastante e a sua respiração marcava compassos demasiado curtos. Resolvi tirá-la daquele local.
Emily confessou ser claustrofóbica. Explicou também que só tinha ido àquela festa porque o ex-namorado a havia traído, algumas semanas atrás, com uma das suas amigas, e aquilo era apenas uma maneira de conseguir distrair-se. Fomos conversando. Emily partilhou algumas coisas comigo e eu com ela. Era boa ouvinte, muito perspicaz. Conseguia saber fazer uma conversa parecer mais interessante e dominava na perfeição algumas das técnicas de argumentação mais fortes. Damian aparecera horas depois, já a noite ia no fim. Trocamos contactos e ela agradeceu por tudo.
Os dias foram passando e eu reparei que aquela conversa com ela não saía da minha memória. Eu precisava de falar com ela de novo. Combinamos ir à praia juntos, à noite, enquanto Damian iria com as suas amigas à discoteca.Fazia precisamente uma semana desde que nos havíamos encontrado pela primeira vez. Eu fui o primeiro a chegar.
O mar estava calmo e a Lua estava totalmente cheia, dando um brilho arrojado à ondulação. O som relaxante das ondas na areia combinava perfeitamente com o caminhar de Emily. Pacífico, majestoso e quase angelical. E lá estava ela. Trazia uma espécie de tiara que fazia dela uma autêntica princesa. Percebi que os seus olhos eram claramente verdes. Afastei-lhe o cabelo castanho claro que se amontoava a frente da sua cara por força do vento. Emily sorriu.Ganhei coragem, ao fim de alguns minutos. Contei-lhe que não havia parado de pensar nela, que ela havia tomado conta da minha mente. Emily mostrou-se surpresa, mas confessou que recentemente tinha pasado muito tempo a pensar em mim. Foi a minha vez de ficar surpreso.
Não sou de tomar ações importantes e muito menos o tipo de rapaz que é formalmente corajoso. Mas com Emily tudo era diferente; era como se eu não fosse eu nos momentos sem ela e, com Emily, eu conseguia ser eu. Por momentos, inventei uma teoria qualquer acerca de nós. Eu só era eu sem ela, logo ela completava-me. Um raciocínio filosófico impróprio para o momento. Sem tempo para alongar a minha tese, eu lembro-me de olhar nos seus olhos e apenas deixar-me levar por alguma força superior. Senti a temperatura dos seus lábios nos meus e, simultaneamente, o seu movimento ao ritmo perfeito das ondas do mar.
Faço uma elipse para não aborrecer o leitor. Em suma, namoramos por seis meses. Um namoro efetivamente sério. Eu comecei a amá-la cada dia mais do que o anterior e, tenho para mim, que ela também.
Por altura do meu baile de finalistas, convidei Emily a vir comigo (devo-me pronunciar: Emily estava divinalmente linda). Nessa mesma noite, Damian meteu-se em barulhos com uns rapazes e acabei por ter de levá-lo a casa. Emily sugeriu que eu o levasse a casa e ela iria para a sua. Não me opus pelo facto da situação estar claramente grave para o lado de Damian. Após deixar o meu amigo em casa, recebi um telefonema: Emily tinha tido um acidente.
Em poucos minutos, cheguei ao hospital. As lágrimas começaram a cair ao olhar para o estado dela. Emily estava em coma. Senti, pela primeira vez, o contrário do que havia sentido ao conhecer Emily. Senti, agora, que tinha perdido tudo, que o mundo era um sítio deplorável e onde eu não queria estar sem Emily.
Foi passando um mês. Um mês de total tristeza. Todos os dias levava flores novas, digo, margaridas… Como ela gostava de margaridas! Mas parecia que as células das plantas sentiam a falta de esperança da minha parte e murchavam após um dia.
Mas quando a esperança está no fim, algo de bom acontece. Acontece sempre. Após esse mês, Emily acordou do coma e eu testemunhei esse fenómeno. Quem ama sabe o que senti. Com o tempo, Emily foi recuperando, mas os médicos avisaram que ela ficaria paraplégica.
Admiro-me como consegui tomar a atitude que tomei. Naquele momento, fugi para bem longe. Questionei porque é que aquilo me estava a acontecer, se eu merecia aquilo, se ela me merecia. Culpei Damian e até o ex-namorado de Emily. Estava completamente descontrolado.No fim da tarde, fui visitar Emily pela última vez, pensei eu. Olhei para ela e senti como se eu fosse a pior pessoa do mundo. Eu amava-a, porque é que eu estava a ser assim? Estava a ser completamente infantil e estúpido. Ela precisava de mim naquele momento e eu era obrigado a estar lá com ela. Era o meu dever doravante.
O tempo foi passando e Emily foi para casa. Obviamente que os cuidados tiveram de ser redobrados, mas com amor tudo se suporta e tudo é possível. Neste momento, Emily está a dormir e eu a tomar conta dela. Surgiu a possibilidade de ela fazer fisioterapia, ou seja, capaz de voltar a andar. Mas não importa.Eu amo-a que qualquer maneira. Eu podia dizer que ela era o mundo para mim. Que quando estou com ela, é como se as estrelas parassem de brilhar e como se a gravidade deixasse de atuar, sendo a única força presente a que me leva até ela. Podia dizer para todos saberem o quanto eu gosto dela e o quanto eu a acho perfeita. Como ela é bonita quando sorri ou quão bem ela beija! Como ela é engraçada quando tosse ou como ela canta bem. Eu podia encher a minha mente de coisas de que gosto nela, tal como aquele feitio docilmente irritante quando ela quer alguma coisa ou mesmo até as figuras que faz a brincar com o meu irmão mais novo. Eu podia dizer tudo que surge pela minha pele quando ela me beija. Mas não preciso, porque sei que quando ela olha para mim sentimos o mesmo: que pertencemos um ao outro.


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